Conservação de fungos

Conservação é a utilização de recursos da natureza de maneira consciente, sem prejudicá-la, mantendo ao mesmo tempo seus serviços ecossistêmicos disponíveis às comunidades.

A conservação pode ser baseada em espécies ou em habitats. Com base em espécies revela-se o nível relativo do risco de extinção enfrentado pela espécie regionalmente ou globalmente, sendo então aplicadas medidas que visem reverter o estado de conservação do táxon para uma categoria de menor risco. Para conservação de habitats são definidos sítios para proteção baseando-se em várias métricas, como diversidade/riqueza de espécies, ocorrência de espécies endêmicas e/ou ameaçadas de extinção, vulnerabilidade, entre outros.

Os fungos e liquens compõem a biodiversidade junto com a Flora e a Fauna (além de uma miríade de microrganismos) e representam a FUNGA. Juntos, estes grupos estão sujeitos ao declínio populacional e extinção devido às mudanças climáticas, poluição, exploração comercial, desmatamento, destruição de habitats, etc.

Historicamente os fungos são negligenciados em ações de conservação devido a diversos fatores relacionados a sua biologia que dificultam a aplicação de critérios para reconhecimento do estado de conservação das espécies. Dentre estes pode destacar sua “cripticidade” (maior parte do ciclo de vida representada pela estrutura somática, que geralmente  é imperceptível a olho-nú) e crescimento indeterminado (dificulta a delimitação de indivíduos). Somado a isso está a escassez de especialistas capazes de reconhecer e delimitar as espécies, o que é essencial para a avaliação do estado de conservação de determinado organismo.

O nível de risco de extinção enfrentado por cada espécie, seja globalmente ou regionalmente, pode ser classificado conforme os Critérios da UICN (União Internacional para Conservação da Natureza), sendo oficialmente publicados na chamada Lista Vermelha Global, da mesma organização, ou em listas nacionais e/ou regionais, que podem ou não seguir os critérios e categorias da UICN. A partir desta classificação, medidas e ações para  proteção direta ou indireta das espécies podem ser definidas, auxiliando na criação/aplicação de legislação, que irão prever a proteção de habitats, gestão de recursos ou áreas, entre outros. Dentre essas medidas, em âmbito nacional, podemos destacar o Programa Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção – Pró-Espécies, que visa a implementação de políticas públicas e alavancar iniciativas para reduzir as ameaças e melhorar o estado de conservação de espécies categorizadas como Criticamente em Perigo (CR) através de Planos de Ação Territoriais (PATs) e Planos de Ação Nacional (PANs).

Figura 1: Categorias da IUCN em que uma espécie pode ser enquadrada após sua avaliação.

A Lista Vermelha Global da UICN foi iniciada na década de 1960 e só no início dos anos 2000, depois de mais de quatro 

Figura 2: Pleurotus nebrodensis. The Red List. IUCN®

décadas, foram incluídos os primeiros fungos na lista, sendo dois deles fungos liquenizados [Cladonia perforata A. Evans e Erioderma pedicellatum (Hue) P.M.Jørg.] e um cogumelo [Pleurotus nebrodensis (Inzenga) Quél.]. Estas três espécies permaneceram como as únicas representantes do reino Fungi na lista até 2015.

Em 2018 a Lista Vermelha Global de Espécies Ameaçadas de Extinção incluia 56 fungos e liquens, ou seja, uma representação ínfima em relação tanto à riqueza conhecida ou estimada do Reino Fungi, quanto em relação ao número de espécies avaliadas de animais e plantas. Atualmente, mais de 600 espécies de fungos constam na Lista Vermelha Global da UICN, sendo quase metade delas ameaçadas em algum grau. Embora o número de espécies avaliadas ainda seja pequeno, observa-se um acentuado incremento no número de avaliações. Esse incremento se deu devido a proposição de uma operacionalização da aplicação dos critérios para a avaliação do estado de conservação das espécies de fungos (Dahlberg & Mueller 2011), a criação da “Global Fungal Red List Initiative (GFRLI)”, e a realização de diversos workshops para a avaliação do espécies ao redor do mundo. Para mais informações sobre o estado atual das espécies já avaliadas e publicadas na lista vermelha global, assista ao vídeo abaixo, que sintetiza os dados e análises realizadas e apresentadas no artigo Mueller et al. 2022 (https://www.mdpi.com/1424-2818/14/9/736).

 

Figura 3: Número de espécies avaliadas e espécies listadas como ameaçadas na Lista Vermelha Global da UICN por Reino – 2022

No Brasil, durante o V Congresso Brasileiro de Micologia (Recife, 2007), decidiu-se criar um grupo de conservação de fungos com o intuito de gerar uma lista vermelha segundo os critérios da UICN, sendo esse um dos precursores para o reconhecimento para as espécies ameaçadas de extinção que ocorrem no Brasil. Mais de uma década depois as primeiras espécies com ocorrência em território nacional foram publicadas na lista vermelha da UICN. Na ocasião do “1º Workshop Sulamericano para avaliação do estado de conservação das espécies de fungos (1st South American fungal red list workshop)”, 32 espécies de fungos de ocorrência no Brasil foram avaliadas e posteriormente publicadas na lista vermelha global.

Em 2021, sob coordenação da  equipe do MIND.Funga, com participação de 15 micólogas/liquenólogas e micólogos/liquenólogos de várias partes do Brasil, e com apoio da Comissão para a Sobrevivência de Espécies de Fungos da IUCN, foi realizado o I Workshop Brasileiro de Avaliação de Espécies de Fungos para a Lista Vermelha Global da IUCN (https://mindfunga.ufsc.br/english-1st-brazilian-workshop-on-assessing-fungal-species-for-the-iucn-global-red-list/). Ao final do evento 50 espécies foram propostas para serem avaliadas, das quais 20 já foram publicadas na Lista Vermelha Global de espécies ameaçadas (ou estão em processo de publicação).

Embora essas ações em âmbito nacional representem um avanço substancial para a conservação de fungos do Brasil, a conservação das espécies depende de uma abordagem que “ataque” a problemática da extinção de espécies através de diferentes estratégias, todas elas com igual importância e ligadas entre si. Essas estratégias podem ser divididas em um “tripé”, contendo ações voltadas para o reconhecimento das espécies ameaçadas (AVALIAÇÃO), planejamento de medidas para sua proteção (PLANEJAMENTO) e ações concretas para a preservação das espécies (AÇÃO), passando pela formação de redes de pessoas e comunicação.

O já mencionado processo de avaliação do estado de conservação das espécies está diretamente relacionado com duas situações limitantes: (i) a falta de conhecimento sobre a diversidade, composição e biologia de espécies de fungos de ecossistemas frágeis e ou ameaçados, como por exemplo as matas nebulares, e; (ii) a ausência de mecanismos legais para a conservação de fungos em nível nacional, representada pela falta de regulação para a criação de uma lista vermelha de fungos brasileira e os desdobramentos dessa ausência (controle de uso, proteção de áreas, entre outros).

O MIND.Funga atua para dirimir os impactos dessas limitações através da execução de projetos de pesquisa que visam conhecer a diversidade de fungos que habitam Matas Nebulares no Sul do Brasil (MIND.Funga – Da pesquisa com macrofungos ameaçados de extinção das matas nebulares de Santa Catarina à inovação na identificação das espécies e MicroEco: Microbial Diversity, Ecosystem Services of the Soil Microbiome and Ecosystem Conservation), bem como estudos mais específicos, com foco em espécies sabidamente ameaçadas (Conservation of mountain biodiversity: Efforts to understand Fomitiporia nubicola distribution, a Drimys exclusive fungus from threatened cloud forest e First efforts to preserve Wrightoporia araucariae, a rare and critically endangered species endemic to Araucaria forests), visando, entre outros, levantar informações sobre a ocorrência e biologia dessas espécies através da investigação em áreas potenciais de ocorrência. Em relação a ausência de uma legislação nacional inclusiva para os fungos, o MIND.Funga tem atuado na articulação com órgãos ambientais regionais e nacionais, além de ter representantes em um grupo de especialistas em fungos da UICN  (BrazFunSG), que tem entre seus objetivos levar a demanda da conservação dos fungos para entidades competentes. Ao mesmo tempo, para que os fungos ganhem espaço na sociedade e no meio acadêmico, e consequentemente tenham mais chances de serem conservados, o grupo também atua na organização de eventos sobre conservação (I Simpósio em Diversidade e Conservação de Fungos em Matas Nebulares), programa de ciência cidadã e divulgação científica (@MIND.Funga).

Por fim, o MIND.Funga tem se dedicado também a ações mais concretas para a conservação de espécies ameaçadas. Uma das estratégias para preservar espécies ameaçadas é sua conservação “ex-situ”, ou seja, fora de sua localidade de origem. Para os fungos, uma possibilidade de preservação “ex-situ” é o cultivo de espécies “in-vitro”, onde os fungos são cultivados em condições controladas em laboratório. Sendo assim, a equipe está trabalhando para criar a primeira coleção de culturas de espécies de fungos ameaçadas de extinção do Brasil, tendo como ponto de partida a espécie criticamente ameaçada Wrightoporia auraucariae através do projeto “First efforts to preserve Wrightoporia araucariae, a rare and critically endangered species endemic to Araucaria forests, e outras espécies de áreas de altitude do sul do Brasil.